Tuesday, March 15, 2005

Coração sem imagens

Poeta português, natural do Alvito. Foi colaborador das revistas Távola Redonda e Árvore e Cadernos de Poesia, que, na década de 50, conglomeravam de forma irregular, mas activa, poetas de várias sensibilidades. A obra deste poeta, onde se encontram evocações da sua infância alentejana, revela a sua ligação ao neo-realismo.
Um belissimo poema. Aqui vai:

Coração sem imagens

Deito fora as imagens.
Sem ti para que me servem

as imagens?

Preciso habituar-me

a substituir-te
pelo vento,
que está em toda a parte

e cuja direcção
é igualmente passageira
e verídica.

Preciso habituar-me ao eco dos teus passos
numa casa deserta,

ao trémulo vigor de todos os teus gestos
invisíveis,

à canção que tu cantas e que mais ninguém ouve
a não ser eu.

Serei feliz sem as imagens.
As imagens não dão

felicidade a ninguém.

Era mais difícil perder-te,
e, no entanto, perdi-te.

Era mais difícil inventar-te,
e eu te inventei.

Posso passar sem as imagens
assim como posso
passar sem ti.

E hei-de ser feliz ainda que
isso não seja ser feliz.

Raul de Carvalho

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